sábado, 13 de fevereiro de 2010

Visões Escabrosas

     
Imagem coletada do Google Imagens
     Ontem, depois que a casa silenciou, preparei-me para dormir, antes, olhei o céu e havia nuvens escuras denunciando que naquela noite o céu ia chorar. Tentei entender qual seria a razão da proximidade daquele pranto e o porquê daquela expressão inconfundível, neutra, cabisbaixa, silenciosa na face do céu, nem nuvem clara, nem estrelas, nem lua, era como se todos houvessem se recolhido ao átrio de seus aposentos.
     Deitei-me pensativa nesta observação. Lá no fundo de minha mente, como sempre, aguçada e continuamente dada às reflexões, havia uma voz cochichando com meus neurônios, rolei de um lado para o outro como se minha cama fosse um grande navio em alto mar, sendo açoitado por grande tempestade.
     E fui neste embalo, pouco a pouco, entrando nos redemoinhos do sono. Tão logo adormeci, tive visões escabrosas, vi que de mim saia outra igual a mim. Assustei-me com o fato, mas procurei entender a razão de meu corpo está na cama e ao mesmo tempo está flutuando nos ares. A princípio tentei voltar, mas enquanto eu olhava meu corpo inerte naquele móvel, uma voz chamou-me e disse: vem! E estendeu-me a mão. Eu estendi a minha e ao tocá-la a sensação era de não está tocando em nada. Mas, havia uma força, uma pureza que emanava daquela figura. Olhei e franzir o cenho, pois à semelhança minha aquela visionária criatura também parecia flutuar.
     Observei-a, em silêncio, as feições suaves, a placidez no olhar e, então mais uma vez aquele ser falou e disse: estás numa luta conflituosa em seguir-me. Entendo perfeitamente tua reação e tua atitude. Porém se queres ver onde reside parte dos dissabores de tua sociedade, confia, apenas confia. Voltarás em segurança.
     E fui, deixei-me ser levada. Após algum tempo flutuando no ar, meus pés e os do meu acompanhante tocaram o chão. E a partir daí, passamos a caminhar por entre uma alameda ladeada por plantas bem cuidadas e floridas. Pensei! Aqui não devem morar pessoas simples O ar sustentava um cheiro pesado de riqueza, de fartura. Era algo bonito e ao mesmo tempo intrigante. E novamente meu ser, já ressabiado, me colocou diante de inúmeras interrogações. Quem vivia ali? Por que tanto luxo? E por que tanta ostentação?
     Meu acompanhante, vez por outra, me olhava fixamente, era como se ele soubesse as interrogações que pairavam em meu ser, entretanto, se mantinha em silêncio. Assim, continuamos e parei, boquiaberta, diante da deslumbrante visão. Um palácio! Expressei em voz alta e, meu acompanhante disse: sim, um palácio, vamos entrar! Hoje, entenderás um pouco do por que tua sociedade vive a beira do abismo. Falta pouco para meia noite, exatamente a hora que as tumbas de abrem e todos os fantasmas mostram suas identidades neste mundo material.
     Vamos, ainda dar tempo. Prosseguimos, passamos pelo imenso portão como se este fosse uma parede transparente que pudesse ser ultrapassada sem ser aberta. À minha frente, algo majestoso: uma construção suntuosa, e então tive a certeza que ali residiam pessoas que só podiam viver à sombra de muita água fresca. Passamos pela porta principal, o hall de entrada, se fosse dividido, daria para servir de casa para uma família. A decoração e a mobília chegavam a se constituir em agressão ao ninho das singelas andorinhas. Chegamos diante de uma escada amparada por uma balaustrada magnífica que ia dá, supondo eu, em algum aposento acima do térreo.
     Meu acompanhante voltou a estender-me a mão, e neste mesmo instante flutuamos por sobre a escada. Meu guia olhou-me e perguntou-me: ouves alguma coisa? Olhando fixamente em seus olhos, que mais pareciam duas pedras de esmeralda, meneei a cabeça em sinal negativo e ainda segurando minha mão disse: pronta? Confirmei silenciosamente com a cabeça em sinal positivo. O coração se debatia num maremoto violento das emoções e conflitos que minha alma experimentava naquele momento.
     Do mesmo modo que passamos pelo portão, passamos agora por uma porta para entrar num enorme salão onde havia uma imensa mesa oval de madeira nobre ladeada de cadeiras estofadas. Meus olhos foram expandindo minha retina ao ver os três cavaleiros da sociedade ali representados discutindo o destino de onças, piracus, micos-leões-dourados, araras e garças. Esses animais estavam aprisionados em zoológicos estrangeiros, mas era propriedade das andorinhas. Havia risos e uma clara satisfação nas faces dos abutres, gargalhadas retiniam naquele ambiente como se fossem os risos de hienas na escuridão noite.
     Bebiam dos licores importados mais finos e o ar estava enervado pela fumaça que pendia dos charutos caríssimos. Para completar aquela orgia indecorosa, havia outra mesa, disposta estrategicamente, num canto da sala, repleta de guarnições de finas iguarias. Tudo ali justificava, vergonhosamente, o caos que vivia a sociedade das andorinhas. Os abutres moravam em mansões onde não havia a preocupação com aluguel e nem com suas próprias despesas, até o vestuário e as compras fúteis de suas concubinas eram, indecentemente, custeadas por um “tal” de auxílio moradia.
     Eu olhei meu acompanhante e falei pela primeira vez: quem pensam que são? E ele me disse: eles não pensam que são. Eles são o que as andorinhas já sabem que são, mas como a consciência crítica ainda navega muito entre o ser e o ter elas sempre acabam seduzidas pelo que podem ter, esquecem que isto é passageiro e que o deserto se estende à frente.
     Muita gente falou sobre isto e, inclusive, um escritor famoso de sua sociedade disse em uma de suas obras “um galo sozinho não tece uma manhã, é preciso que a ele se junte outros galos”, não obstante, um compositor, também famoso disse certa vez numa canção “se o boi soubesse da força que tem, não puxava carroça e, a abelha da dor da picada, não roubavam seu mel”. Ainda há muita coisa para ser vista aqui, mas o tempo urge, voltaremos outro dia. Apenas um conselho: não desanimes, o que viste aqui é apenas parte do que se vês lá, e todos sabem que as consequências do que ocorre lá advém das atitudes de cá. Tudo está entrelaçado e gira em torno de um interesse próprio. Nisto despertei e me deparei com a dura realidade, estava na hora de levantar e ir trabalhar.


Edith Lobato

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